Há
mais de uma década que a investigadora Maria José Araújo, do Centro de
Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, analisa
atentamente o tempo livre das crianças, com idades compreendidas entre
os 6 e os 12 anos, para perceber como esses momentos são pensados e
tratados e "qual o sentido das principais actividades que norteiam os
seus quotidianos". Numa das mais recentes investigações, realizada em
contexto de ATL (Actividades de Tempos Livres), a responsável concluiu
que as crianças, entre a escola e o ATL, "chegam a trabalhar cerca de
oito ou nove horas por dia e, muitas vezes, ainda levam TPC (Trabalhos
Para Casa)".
"As crianças estão cinco horas diárias (25
horas por semana) na sala de aula. Depois têm um conjunto de
actividades (música, apoio ao estudo, Inglês, etc.) programadas no ATL
ou noutros espaços (agora na escola a tempo inteiro) e ainda têm os TPC
para fazer". A soma resulta em horas equivalentes ao horário de
trabalho de um adulto. "Para a criança ou para o adolescente, o
trabalho escolar, com tudo o que comporta de actividade, representa o
exacto equivalente ao trabalho profissional de vida de um adulto. Mas
enquanto a duração do trabalho profissional exige um grande descanso
para a maioria dos adultos, o trabalho escolar é cada vez mais
desenvolvido dentro e fora da sala de aula", sublinha a investigadora.
Com
o aparecimento do conceito de escola a tempo inteiro, Maria José Araújo
considera pertinente perceber como é programado o tempo livre das
crianças e quais os "conceitos de infância que prevalecem na
organização" desses momentos. Há perguntas que surgem. Onde ficam as
crianças quando pai e mãe trabalham? Quem ajuda nos TPC quando há pouca
preparação ou pouca disponibilidade? "Durante a semana e nas horas
normais de trabalho, as crianças, quando não estão na escola, estão no
ATL ou nos centros de estudo (hoje também ficam na escola nas
Actividades de Enriquecimento Curricular)". Ou seja, acrescenta, "nunca
saem do mesmo tipo de ambiente, marcadamente organizado em função de
pressupostos educativos e sociais que negligenciam e secundarizam os
aspectos vitais e lúdicos das crianças". "É necessário perceber que uma
criança pequena que está cinco horas a exercer o seu ofício de aluno na
sala de aula tem de descansar e ter a possibilidade de exercer o seu
ofício de criança que é brincar. Brincar é uma forma de descobrir o
mundo e faz parte da(s) cultura(s) da infância", destaca.
Há
uma grande diferença entre fazer os TPC e estudar. "Se se confundir TPC
com estudar, estamos a dizer às crianças que estudar é aquela chatice
repetitiva, limitativa e mecânica que é proposta na maior parte dos
TPC. Mas, de facto, estudar não é isso. É muito importante que se
entenda isto, senão é o conhecimento e a própria escola que estamos a
desvalorizar", avisa. A investigadora concretiza. "Quando me refiro ao
excesso de TPC, referi-mo às contas, cópias e fichas que as crianças
mais pequenas levam para fazer depois da escola, que geralmente são uma
repetição do que se fez na sala de aula, e ainda às actividades que são
mais aulas depois das aulas. Estudar é outra coisa. Tem de ter a adesão
voluntária das crianças, deve ser algo que elas percebam e por que se
interessem".
"O conceito de estudar é muito confuso e as
crianças só o vão percebendo com o decorrer da escolaridade e à medida
que se vão confrontando com outras situações - como, por exemplo,
estudar a tabuada, estudar para um teste - e, mesmo assim, tudo isso
depende delas. A função de estudar, não sendo uma operação muito
concreta, é algo que não é muito claro para as crianças nem,
provavelmente, para os adultos com quem convivem", refere.
Hipotecar o presente
"A
questão principal é perceber que as crianças têm direito a um tempo
verdadeiramente livre que não seja monopolizado pela lógica escolar",
defende. Por isso, cinco horas diárias de trabalho escolar são
consideradas suficientes. "Brincar é a actividade natural das crianças
e é uma forma de estudar e conhecer o mundo", comenta. "De uma maneira
geral, as crianças gostam de fazer coisas, de brincar e para elas
brincar pode também ser fazer actividades. Mas se as actividades forem
demasiado programadas, deixando para a criança somente um espaço de
execução, o processo de exploração das potencialidades da criança
perde-se, pelo menos parcialmente, porque ela já não se entrega por
inteiro num acto que já não vê como sendo autenticamente brincar."
Se
as actividades lúdicas forem de encontro à vontade e interesses dos
mais pequenos, tudo bem. Tudo mal se forem demasiado orientadas e
significarem mais aulas depois das aulas. "Estamos a falar de crianças
muito pequenas e o cansaço é demonstrado das mais diversas formas, a
que por vezes damos o nome de indisciplina. Por outro lado, se não
deixamos as crianças brincar e organizar as suas brincadeiras, estamos
a pôr em causa a própria infância."
As escolas e
AS famílias têm noção da real importância do brincar? "Os pais querem o
melhor para os seus filhos, mas muitos acham que brincar é uma
actividade pouco séria quando comparada com o trabalho escolar. Outros
pais acham que as crianças já brincam muito ou que podem brincar noutra
altura. O problema é que essa altura para muitas crianças nunca chega.
Têm actividades programadas o dia todo e andam num cansaço enorme",
refere Maria José Araújo.
Há, no entanto, pais e
professores que reconhecem que as crianças são sobrecarregadas de
trabalho. "O problema é que não conseguem tomar posição pela criança,
porque temem estar a prejudicar os estudos e, assim, o seu futuro. Mas
as crianças não podem viver só em função do futuro porque elas têm um
presente. Os adultos estão a hipotecar esse presente em função de um
futuro que desconhecem. Às vezes a pressão social é muito grande e,
apesar dos educadores pensarem nas crianças quando fazem as
actividades, a verdade é que raramente estas actividades surgem de um
diálogo prévio com as crianças.""
Fonte: Educare.pt, consultado em Julho de 2009
A minha questão é bastante simples, porque será que os pais estão a colocar nos filhos um peso tão grande como o de crescerem demasiado rápido, será que ainda não entenderam que a escola e os estudos são somente algo que complementa a nossa vida e não é a nossa vida em si!
Recordo-me dum artigo de Perrenoud, " A escola não serve para nada", ou do vídeo de Ken robinson "Are schools killing creativity", será que os pais ja pararam para pensar ou estão como os filhos, sobrecarregados e sem tempo para "brincar"?
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