ISSN 1577-3760 · Número 4 · Temática Variada
O perfil-tipo do trabalhador TIC em Portugal
Por: Flávio Nunes
INTRODUCCIÓN / RESUMEN
Neste
artigo caracteriza-se detalhadamente a evolução recente do sector TIC
português, referenciando as actividades melhor representadas, o seu
ritmo de evolução, a sua dimensão em termos de volume de vendas, bem
como os municípios portugueses com os maiores índices de especialização
neste tipo de actividades. Apresentam-se ainda traços de definição do
emprego TIC português em termos de: género, escalões etários,
habilitações, qualificações e remunerações médias mensais.
Introdução
Aquilo a que usualmente se designa por sociedade da informação e do
conhecimento, tem propiciado o aparecimento e progressivo
aprofundamento de domínios de investigação muito variados. No que
concerne às eventuais repercussões na economia e na estrutura do
emprego de um país, as atenções têm vindo a ser dirigidas não apenas
para o modo como a gradual utilização das tecnologias da informação
promovem o aparecimento de novas soluções de flexibilização
organizacional, a identificação de novos requisitos de qualificação dos
trabalhadores ou a mudança da estrutura ocupacional com o surgimento de
novas profissões (ver Moniz e Kovács, 2001; Kovács, 2002), mas também
para o modo como se tem vindo a gerar um novo sector de actividade,
composto por novas empresas e estabelecimentos com grande intensidade
de conhecimento e tecnologia: o sector das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC).
Com este artigo pretende-se caracterizar detalhadamente a evolução
recente do sector TIC português, com base em informação estatística
desagregada a nível municipal. Com esta análise procurar-se-á
identificar as actividades melhor representadas no sector TIC
português, o seu ritmo de evolução, a sua dimensão em termos de volume
de vendas, bem como os municípios portugueses com os maiores índices de
especialização neste tipo de actividades. Após a apresentação deste
sector de actividade económica, o objectivo central deste artigo
consistirá na apresentação duma análise cartográfica a nível municipal,
com a qual se procurará perceber detalhadamente as características do
emprego TIC português, em termos de género, idades, habilitações,
qualificações e remunerações.
Definição do sector TIC
A actual classificação internacional das actividades económicas (ISIC Rev.3 - International Standard Industrial Classification)
não apresenta ainda a uma delimitação das actividades que constituem o
sector TIC. Reconhecendo este problema, a OCDE e o EUROSTAT têm vindo
desde 1997 a trabalhar em parceria no sentido de estabelecer um
conjunto de definições e metodologias que facilitem a recolha e
comparação de estatísticas internacionais, com vista à medição de
vários aspectos da sociedade da informação, especialmente dos bens e
serviços produzidos, comercializados e consumidos, bem como o conjunto
das empresas e trabalhadores envolvidos nessas actividades. Se a
definição dos serviços TIC parece mais consensual (serviços que
contribuam para a comunicação e para o processamento de informação por
meios electrónicos), a delimitação das indústrias TIC é bem mais
complexa, sobretudo devido à falta de consenso sobre o que pode ser
entendido como produtos TIC.
Na Tabela 1 apresentam-se as 17 diferentes actividades
económicas que integram o sector TIC de acordo com os princípios
assumidos pela OCDE/EUROSTAT. Uma das principais características desta
proposta de delimitação é o facto de fracturar a tradicional dicotomia
ISIC entre actividades industriais e de serviços, uma vez que as
actividades que produzem e distribuem produtos e serviços TIC podem ser
encontradas um pouco por toda a economia. Neste sentido e dada a
diversidade de actividades que incorpora, optamos também por proceder a
uma análise deste sector desagregada em quatro grandes categorias:
TIC-indústrias; TIC-comércio por grosso; TIC-telecomunicações e
TIC-serviços de apoio às empresas.
Estrutura empresarial do sector TIC português
Em Portugal a fonte de informação mais utilizada para
monitorizar as alterações na estrutura das actividades económicas, em
termos do tipo de empresas, da sua dimensão, da sua localização ou das
características dos seus trabalhadores, é o Departamento de Estatística
do Trabalho, Emprego e Formação Profissional (Ministério da Segurança
Social e do Trabalho), responsável por uma base de dados, denominada
por Quadros de Pessoal, actualizada anualmente com informação
resultante da entrega de inquéritos de resposta obrigatória por todos
os estabelecimentos portugueses com mais de um trabalhador por conta de
outrém.
De acordo com esta base de dados e com a delimitação do sector
TIC da OCDE/EUROSTAT, no ano de 2000 existiam em Portugal 3221
estabelecimentos TIC (1% do total nacional) onde trabalhavam 63090
trabalhadores (2,4% do total nacional).
Embora apenas 27% dos municípios portugueses não possua qualquer
estabelecimento TIC, uma análise geográfica mais cuidada permite
concluir que esta dispersão territorial é ilusória uma vez que a quase
totalidade destes estabelecimentos está localizada nas duas áreas
metropolitanas e em algumas cidades de média dimensão. Esta
concentração territorial nas grandes formações urbano-metropolitanas é
bem visível quando se constata que 60% dos municípios com
estabelecimentos TIC possuem cada qual menos de 0,1% do total nacional
desses estabelecimentos. Para além disso, 42% de todos esses
estabelecimentos estão localizados apenas em 4 concelhos, três deles
pertencentes à Área Metropolitana de Lisboa (Lisboa, Oeiras e Sintra) e
o outro à Área Metropolitana do Porto (Tabela 2).
Em Portugal este sector de actividade é maioritariamente
composto por micro-estabelecimentos, uma vez que mais de 70% funcionam
com menos de 9 empregados (existem apenas 16 estabelecimentos com mais
de 500 trabalhadores). Esta pequena dimensão tem vindo a ser reforçada
ao longo dos últimos anos, pois entre 1995 e 2000 apenas se verificou
um acréscimo dos estabelecimentos de menor dimensão. Deste modo, e tal
como a generalidade do tecido económico português, trata-se de um
sector de actividade pouco intensivo em termos do número de
trabalhadores.
Efectuando uma análise evolutiva entre 1995 e 2000, podemos
concluir que se trata de um dos sectores de actividade mais dinâmicos
em Portugal. Se entre 1995 e 2000 a taxa de crescimento do conjunto das
actividades terciárias foi de 39,9%, no sector TIC essa taxa foi de
87,3%. Tal crescimento nesse período é apenas comparável com aquele que
foi registado apenas por outros dois outros sectores: as actividades
ligadas à construção e as actividades imobiliárias, alugueres e
serviços prestados às empresas.
O forte crescimento dos estabelecimentos TIC nos últimos anos
da década de 90 não é justificado pelo aparecimento de novos
estabelecimentos TIC-indústria, que no conjunto perderam 33
estabelecimentos entre 1995 e 2000. Todas as outras actividades TIC,
com excepção das relacionadas com o processamento de dados, aumentaram
a representatividade dos seus estabelecimntos, especialmente o comércio
por grosso de máquinas e material de escritório, as actividades de
telecomunicações e a consultoria e programação informática.
A análise do volume de vendas deste sector, permite referir
que em Portugal as 2431 empresas TIC (cerca de 0,9% do total das
empresas portuguesas) são responsáveis por um volume de vendas de
aproximadamente 13,5 biliões de Euros, o que representa quase 6% do
total nacional. Comparando com os outros sectores de actividade, o
sector TIC tem uma taxa de produtividade muito elevada, apresentando
por exemplo o dobro do volume de vendas registado pelas actividades
turísticas, particularmente a hotelaria e restauração.
Estrutura do emprego TIC português
A evolução recente do emprego TIC em Portugal revelou uma taxa
de crescimento menos expressiva que a dinâmica dos estabelecimentos
deste sector (entre 1995 e 2000 o emprego TIC português cresceu 11%).
Contudo, em 2000 representava quase 2,5% dos trabalhadores portugueses,
o que era já um valor superior à população empregada em todo o sector
primário.
No entanto, esta dinâmica positiva de criação de emprego
associada à difusão destas novas actividades económicas, deverá ser
analisada com algum cuidado uma vez que esconde algumas situações
dramáticas de desemprego. Para concretizar podemos referir que entre
1995 e 2000 foi registado um decréscimo deste tipo de emprego em 53
concelhos de Portugal. Valongo, Sintra e Castelo Branco são os três
concelhos com as maiores perdas, uma vez que em cada um deles o
desemprego no sector TIC afectou mais de um milhar de trabalhadores em
apenas 5 anos (Tabela 3).
A evolução recente do emprego TIC em Portugal é marcada por uma
gradual e evidente super-aglomeração nas duas Áreas Metropolitanas.
Todos os municípios com os maiores acréscimos do emprego TIC estão
localizados na Área Metropolitana de Lisboa (o mais dinâmico é Oeiras
com quase 5 mil novos empregados em apenas 5 anos) e na Área
Metropolitana do Porto ou nas suas proximidades imediatas (em Ovar
surgiram cerca de 1300 empregos TIC).
Esta tendência de aglomeração territorial pode também ser
confirmada pelo acentuado decréscimo do emprego TIC em todas as cidades
de média dimensão não metropolitanas e que em 1995 possuíam um
significativo número de trabalhadores TIC (Braga, Guimarães, Guarda,
Castelo Branco, Aveiro, Coimbra e Faro), a única excepção é a cidade de
Évora onde estas actividades criaram quase 400 novos postos de trabalho
entre 1995 e 2000 (Figura 1). A proeminência de Évora neste sector
deve-se a duas importantes empresas de produção de componentes
electrónicos para utilização, embora não exclusiva, da indústria
automóvel e que são o resultado do forte investimento da multinacional
Siemens nesta cidade desde 1969.
Este é um sector de actividade cujos empregos são
maioritariamente exercidos por homens (60% do total), sendo esta uma
tendência que tem vindo a ser reforçada no decorrer dos últimos anos
(entre 1995 e 2000 a taxa de emprego feminino decresceu 7% para a
globalidade do sector). Todavia, como já foi referido, este sector
integra actividades muito distintas que também revelam comportamentos
diferenciados em relação à participação masculina, devendo
referenciar-se a sobre-representatividade das mulheres nas actividades
industriais do sector (Tabela 4).
Uma análise geográfica detalhada a nível municipal permite
referir uma maior proporção de homens em 88% dos municípios portugueses
com presença de emprego TIC. Os concelhos onde o peso do emprego
masculino é superior à média nacional correspondem grosso modo à faixa
litoral com maiores índices de urbanização -existindo uma aglomeração
territorial mais expressiva em torno do núcleo central da Área
Metropolitana do Porto com uma extensão para sul em direcção a Oliveira
de Azeméis e Santa Maria da Feira- e a alguns dos principais centros
urbanos do interior do país -sobretudo Guarda, Covilhã, Viseu e Pesa da
Régua- (Figura 2).
A estrutura etária do emprego TIC é muito jovem (cerca de 55%
do total destes trabalhadores têm menos de 35 anos de idade) e segue
uma tendência clara de progressivo rejuvenescimento. Saliente-se que
entre 1995 para 2000 o escalão que mais reforçou o seu peso foi o dos
25 aos 29 anos de idade (um acréscimo de 36%), por sua vez verificou-se
uma diminuição da representatividade em todos os escalões quinquenais
superiores aos 35 anos de idade.
Esta juventude da mão de obra TIC é sobretudo expressiva nas
actividades TIC relacionadas com a prestação de serviços de apoio às
empresas, onde mais de metade dos seus trabalhadores apresenta menos de
29 anos de idade (Tabela 5). Vila do Conde é o município português com
maior índice de juventude da mão de obra TIC, aproximadamente 70% dos
seus trabalhadores TIC têm menos de 29 anos de idade.
Em relação ao nível de habilitações resultantes da formação
inicial destes trabalhadores é também fácil traçar o perfil tipo do
emprego TIC em Portugal, uma vez que quase 60% destes trabalhadores têm
o ensino secundário ou superior.
A evolução recente entre 1995 e 2000 demonstra uma tendência clara para
a perda de importância dos níveis mais baixos de escolaridade (os
trabalhadores com uma habilitação inferior ao ensino básico reduziram o
seu número em 73%, os do 1º ciclo do ensino básico diminuíram 49%, os
do 2º ciclo decresceram 38% e os do 3º ciclo reduziram o seu número em
6%). Pelo contrário, as altas habilitações têm sido um dos principais
requisitos na contratação de novos empregados TIC. Os empregados com
licenciatura são o sub-grupo que mais cresceu entre 1995 e 2000
(aumentaram quase 85%), representando em 2000 cerca de 22% do total
desta mão de obra. Esta preferência por níveis mais exigentes de
habilitações é sobretudo evidente nas actividades TIC relacionadas com
os serviços de apoio às empresas (Tabela 6).
Oeiras e Lisboa são os concelhos onde se localizam os
estabelecimentos TIC mais exigentes nas habilitações dos seus
empregados (respectivamente 46% e 42% do total dos seus trabalhadores
possuem ensino superior), ainda acima da média nacional destacam-se
oito outros concelhos (seis no norte do país: Matosinhos, Maia, Porto,
Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira e Aveiro e dois nas
proximidades de Lisboa: Torres Vedras e Almada).
As exigências demonstradas na contratação de empregados com
altos níveis de habilitações parecem ser depois acompanhadas por
iniciativas de progressiva qualificação já no seio das empresas onde
são inseridos. Na gestão dos recursos humanos esta é uma preocupação
evidente sobretudo no ramo das telecomunicações (Tabela 7).
Entre os quadros dominam os de qualificação superior e embora entre os
profissionais não dominem aqueles que se encontram altamente
qualificados, a análise evolutiva entre 1995 e 2000 permite referir que
estes são os únicos que têm aumentado o seu número. Deve referir-se
também o forte aumento dos praticantes e aprendizes em virtude da
contratação de empregados muito jovens em início de carreira e por isso
ainda sem qualificação especializada.
No sector TIC a remuneração média mensal base era em 2000 de
1112 Euros para cada trabalhador por conta de outrém (um valor em cerca
de 500 Euros superior à média nacional das remunerações mensais base).
Oeiras e Lisboa são mais uma vez os concelhos que se destacam, neste
caso no que diz respeito ao pagamento de remunerações mais vantajosas
aos seus empregados TIC (em termos médios uma remuneração base de 1500
Euros e 1440 Euros, respectivamente).
As actividades TIC melhor remuneradas são os serviços de apoio
às empresas, contudo devido ao pagamento de um valor mais elevado de
extras (prémios e subsídios) por parte dos estabelecimentos de
telecomunicações, são os trabalhadores destas actividades os que
auferem de um rendimento final mais elevado.
Conclusão
A importância do sector TIC na economia portuguesa tem crescido
de uma forma muito expressiva ao longo dos últimos anos. Contudo este
sector tem sido sobretudo uma fonte de criação de novas empresas e
estabelecimentos, contribuindo de uma forma não tão relevante para a
criação de novos empregos. Inclusivamente verificaram-se situações de
desemprego nas actividades TIC (sobretudo nas actividades industriais),
em alguns casos originando situações dramáticas pela sua excessiva
concentração territorial.
As tendências de evolução do emprego TIC em Portugal indicam
que não há uma única tendência de evolução, mas uma diversidade de
situações que variam em função do tipo de actividades integradas neste
sector (indústria, comércio por grosso, telecomunicações e serviços de
apoio às empresas). Todavia, a análise estatística efectuada à
globalidade do sector permite traçar o perfil tipo do trabalhador TIC
em Portugal. É uma força de trabalho que apresenta uma clara tendência
de reforço da já elevada taxa de participação masculina, com uma
estrutura etária muito jovem e com tendência para um progressivo
rejuvenescimento, e que se destaca pela contratação preferencial de
trabalhadores com elevados níveis de habilitações. Dada a juventude
desta força de trabalho, concluiu-se também que as estratégias de
gestão dos recursos humanos têm privilegiado acções de qualificação e
especialização profissional dos empregados deste sector. Em suma são
estas as características base da mão de obra que faz do sector TIC um
dos mais produtivos da economia portuguesa, capaz de conceder aos seus
trabalhadores uma remuneração média mensal muito superior à média
nacional.
A análise geográfica efectuada permite referir que se trata de
um sector de actividade de cariz eminentemente urbano mas com tendência
a transformar-se progressivamente num sector de forte concentração
metropolitana (em torno de Lisboa e do Porto). Este padrão de
repartição espacial e sobretudo no que se refere aos serviços TIC de
apoio às empresas, leva a supor que fora das grandes formações
urbano-metropolitanas as actividades económicas têm sido mais lentas no
processo de aprendizagem sobre o modo de readaptação das sua
organizações face aos desafios da utilização das tecnologias da
informação, não existindo talvez por falta de procura uma distribuição
mais equilibrada das actividades TIC no território português. No
entanto, esta é uma questão que fica em aberto e que carece de
comprovação por parte de futuras investigações.
Fontes e bibliografia