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O perfil-tipo do trabalhador TIC em Portugal, 2004

Revista TEXTOS de la CiberSociedad
ISSN 1577-3760 · Número 4 · Temática Variada
O perfil-tipo do trabalhador TIC em Portugal

Por: Flávio Nunes


Para citar este artículo: Nunes, Flávio, 2004, O perfil-tipo do trabalhador TIC em Portugal, Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 4. Temática Variada. Disponible en http://www.cibersociedad.net




INTRODUCCIÓN / RESUMEN

Neste artigo caracteriza-se detalhadamente a evolução recente do sector TIC português, referenciando as actividades melhor representadas, o seu ritmo de evolução, a sua dimensão em termos de volume de vendas, bem como os municípios portugueses com os maiores índices de especialização neste tipo de actividades. Apresentam-se ainda traços de definição do emprego TIC português em termos de: género, escalões etários, habilitações, qualificações e remunerações médias mensais.


Introdução

Aquilo a que usualmente se designa por sociedade da informação e do conhecimento, tem propiciado o aparecimento e progressivo aprofundamento de domínios de investigação muito variados. No que concerne às eventuais repercussões na economia e na estrutura do emprego de um país, as atenções têm vindo a ser dirigidas não apenas para o modo como a gradual utilização das tecnologias da informação promovem o aparecimento de novas soluções de flexibilização organizacional, a identificação de novos requisitos de qualificação dos trabalhadores ou a mudança da estrutura ocupacional com o surgimento de novas profissões (ver Moniz e Kovács, 2001; Kovács, 2002), mas também para o modo como se tem vindo a gerar um novo sector de actividade, composto por novas empresas e estabelecimentos com grande intensidade de conhecimento e tecnologia: o sector das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

Com este artigo pretende-se caracterizar detalhadamente a evolução recente do sector TIC português, com base em informação estatística desagregada a nível municipal. Com esta análise procurar-se-á identificar as actividades melhor representadas no sector TIC português, o seu ritmo de evolução, a sua dimensão em termos de volume de vendas, bem como os municípios portugueses com os maiores índices de especialização neste tipo de actividades. Após a apresentação deste sector de actividade económica, o objectivo central deste artigo consistirá na apresentação duma análise cartográfica a nível municipal, com a qual se procurará perceber detalhadamente as características do emprego TIC português, em termos de género, idades, habilitações, qualificações e remunerações.


Definição do sector TIC

A actual classificação internacional das actividades económicas (ISIC Rev.3 - International Standard Industrial Classification) não apresenta ainda a uma delimitação das actividades que constituem o sector TIC. Reconhecendo este problema, a OCDE e o EUROSTAT têm vindo desde 1997 a trabalhar em parceria no sentido de estabelecer um conjunto de definições e metodologias que facilitem a recolha e comparação de estatísticas internacionais, com vista à medição de vários aspectos da sociedade da informação, especialmente dos bens e serviços produzidos, comercializados e consumidos, bem como o conjunto das empresas e trabalhadores envolvidos nessas actividades. Se a definição dos serviços TIC parece mais consensual (serviços que contribuam para a comunicação e para o processamento de informação por meios electrónicos), a delimitação das indústrias TIC é bem mais complexa, sobretudo devido à falta de consenso sobre o que pode ser entendido como produtos TIC.



Na Tabela 1 apresentam-se as 17 diferentes actividades económicas que integram o sector TIC de acordo com os princípios assumidos pela OCDE/EUROSTAT. Uma das principais características desta proposta de delimitação é o facto de fracturar a tradicional dicotomia ISIC entre actividades industriais e de serviços, uma vez que as actividades que produzem e distribuem produtos e serviços TIC podem ser encontradas um pouco por toda a economia. Neste sentido e dada a diversidade de actividades que incorpora, optamos também por proceder a uma análise deste sector desagregada em quatro grandes categorias: TIC-indústrias; TIC-comércio por grosso; TIC-telecomunicações e TIC-serviços de apoio às empresas.


Estrutura empresarial do sector TIC português

Em Portugal a fonte de informação mais utilizada para monitorizar as alterações na estrutura das actividades económicas, em termos do tipo de empresas, da sua dimensão, da sua localização ou das características dos seus trabalhadores, é o Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação Profissional (Ministério da Segurança Social e do Trabalho), responsável por uma base de dados, denominada por Quadros de Pessoal, actualizada anualmente com informação resultante da entrega de inquéritos de resposta obrigatória por todos os estabelecimentos portugueses com mais de um trabalhador por conta de outrém.

De acordo com esta base de dados e com a delimitação do sector TIC da OCDE/EUROSTAT, no ano de 2000 existiam em Portugal 3221 estabelecimentos TIC (1% do total nacional) onde trabalhavam 63090 trabalhadores (2,4% do total nacional).

Embora apenas 27% dos municípios portugueses não possua qualquer estabelecimento TIC, uma análise geográfica mais cuidada permite concluir que esta dispersão territorial é ilusória uma vez que a quase totalidade destes estabelecimentos está localizada nas duas áreas metropolitanas e em algumas cidades de média dimensão. Esta concentração territorial nas grandes formações urbano-metropolitanas é bem visível quando se constata que 60% dos municípios com estabelecimentos TIC possuem cada qual menos de 0,1% do total nacional desses estabelecimentos. Para além disso, 42% de todos esses estabelecimentos estão localizados apenas em 4 concelhos, três deles pertencentes à Área Metropolitana de Lisboa (Lisboa, Oeiras e Sintra) e o outro à Área Metropolitana do Porto (Tabela 2).



Em Portugal este sector de actividade é maioritariamente composto por micro-estabelecimentos, uma vez que mais de 70% funcionam com menos de 9 empregados (existem apenas 16 estabelecimentos com mais de 500 trabalhadores). Esta pequena dimensão tem vindo a ser reforçada ao longo dos últimos anos, pois entre 1995 e 2000 apenas se verificou um acréscimo dos estabelecimentos de menor dimensão. Deste modo, e tal como a generalidade do tecido económico português, trata-se de um sector de actividade pouco intensivo em termos do número de trabalhadores.

Efectuando uma análise evolutiva entre 1995 e 2000, podemos concluir que se trata de um dos sectores de actividade mais dinâmicos em Portugal. Se entre 1995 e 2000 a taxa de crescimento do conjunto das actividades terciárias foi de 39,9%, no sector TIC essa taxa foi de 87,3%. Tal crescimento nesse período é apenas comparável com aquele que foi registado apenas por outros dois outros sectores: as actividades ligadas à construção e as actividades imobiliárias, alugueres e serviços prestados às empresas.

O forte crescimento dos estabelecimentos TIC nos últimos anos da década de 90 não é justificado pelo aparecimento de novos estabelecimentos TIC-indústria, que no conjunto perderam 33 estabelecimentos entre 1995 e 2000. Todas as outras actividades TIC, com excepção das relacionadas com o processamento de dados, aumentaram a representatividade dos seus estabelecimntos, especialmente o comércio por grosso de máquinas e material de escritório, as actividades de telecomunicações e a consultoria e programação informática.

A análise do volume de vendas deste sector, permite referir que em Portugal as 2431 empresas TIC (cerca de 0,9% do total das empresas portuguesas) são responsáveis por um volume de vendas de aproximadamente 13,5 biliões de Euros, o que representa quase 6% do total nacional. Comparando com os outros sectores de actividade, o sector TIC tem uma taxa de produtividade muito elevada, apresentando por exemplo o dobro do volume de vendas registado pelas actividades turísticas, particularmente a hotelaria e restauração.


Estrutura do emprego TIC português

A evolução recente do emprego TIC em Portugal revelou uma taxa de crescimento menos expressiva que a dinâmica dos estabelecimentos deste sector (entre 1995 e 2000 o emprego TIC português cresceu 11%). Contudo, em 2000 representava quase 2,5% dos trabalhadores portugueses, o que era já um valor superior à população empregada em todo o sector primário.

No entanto, esta dinâmica positiva de criação de emprego associada à difusão destas novas actividades económicas, deverá ser analisada com algum cuidado uma vez que esconde algumas situações dramáticas de desemprego. Para concretizar podemos referir que entre 1995 e 2000 foi registado um decréscimo deste tipo de emprego em 53 concelhos de Portugal. Valongo, Sintra e Castelo Branco são os três concelhos com as maiores perdas, uma vez que em cada um deles o desemprego no sector TIC afectou mais de um milhar de trabalhadores em apenas 5 anos (Tabela 3).



A evolução recente do emprego TIC em Portugal é marcada por uma gradual e evidente super-aglomeração nas duas Áreas Metropolitanas. Todos os municípios com os maiores acréscimos do emprego TIC estão localizados na Área Metropolitana de Lisboa (o mais dinâmico é Oeiras com quase 5 mil novos empregados em apenas 5 anos) e na Área Metropolitana do Porto ou nas suas proximidades imediatas (em Ovar surgiram cerca de 1300 empregos TIC).

Esta tendência de aglomeração territorial pode também ser confirmada pelo acentuado decréscimo do emprego TIC em todas as cidades de média dimensão não metropolitanas e que em 1995 possuíam um significativo número de trabalhadores TIC (Braga, Guimarães, Guarda, Castelo Branco, Aveiro, Coimbra e Faro), a única excepção é a cidade de Évora onde estas actividades criaram quase 400 novos postos de trabalho entre 1995 e 2000 (Figura 1). A proeminência de Évora neste sector deve-se a duas importantes empresas de produção de componentes electrónicos para utilização, embora não exclusiva, da indústria automóvel e que são o resultado do forte investimento da multinacional Siemens nesta cidade desde 1969.



Este é um sector de actividade cujos empregos são maioritariamente exercidos por homens (60% do total), sendo esta uma tendência que tem vindo a ser reforçada no decorrer dos últimos anos (entre 1995 e 2000 a taxa de emprego feminino decresceu 7% para a globalidade do sector). Todavia, como já foi referido, este sector integra actividades muito distintas que também revelam comportamentos diferenciados em relação à participação masculina, devendo referenciar-se a sobre-representatividade das mulheres nas actividades industriais do sector (Tabela 4).



Uma análise geográfica detalhada a nível municipal permite referir uma maior proporção de homens em 88% dos municípios portugueses com presença de emprego TIC. Os concelhos onde o peso do emprego masculino é superior à média nacional correspondem grosso modo à faixa litoral com maiores índices de urbanização -existindo uma aglomeração territorial mais expressiva em torno do núcleo central da Área Metropolitana do Porto com uma extensão para sul em direcção a Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira- e a alguns dos principais centros urbanos do interior do país -sobretudo Guarda, Covilhã, Viseu e Pesa da Régua- (Figura 2).



A estrutura etária do emprego TIC é muito jovem (cerca de 55% do total destes trabalhadores têm menos de 35 anos de idade) e segue uma tendência clara de progressivo rejuvenescimento. Saliente-se que entre 1995 para 2000 o escalão que mais reforçou o seu peso foi o dos 25 aos 29 anos de idade (um acréscimo de 36%), por sua vez verificou-se uma diminuição da representatividade em todos os escalões quinquenais superiores aos 35 anos de idade.

Esta juventude da mão de obra TIC é sobretudo expressiva nas actividades TIC relacionadas com a prestação de serviços de apoio às empresas, onde mais de metade dos seus trabalhadores apresenta menos de 29 anos de idade (Tabela 5). Vila do Conde é o município português com maior índice de juventude da mão de obra TIC, aproximadamente 70% dos seus trabalhadores TIC têm menos de 29 anos de idade.



Em relação ao nível de habilitações resultantes da formação inicial destes trabalhadores é também fácil traçar o perfil tipo do emprego TIC em Portugal, uma vez que quase 60% destes trabalhadores têm o ensino secundário ou superior.

A evolução recente entre 1995 e 2000 demonstra uma tendência clara para a perda de importância dos níveis mais baixos de escolaridade (os trabalhadores com uma habilitação inferior ao ensino básico reduziram o seu número em 73%, os do 1º ciclo do ensino básico diminuíram 49%, os do 2º ciclo decresceram 38% e os do 3º ciclo reduziram o seu número em 6%). Pelo contrário, as altas habilitações têm sido um dos principais requisitos na contratação de novos empregados TIC. Os empregados com licenciatura são o sub-grupo que mais cresceu entre 1995 e 2000 (aumentaram quase 85%), representando em 2000 cerca de 22% do total desta mão de obra. Esta preferência por níveis mais exigentes de habilitações é sobretudo evidente nas actividades TIC relacionadas com os serviços de apoio às empresas (Tabela 6).

Oeiras e Lisboa são os concelhos onde se localizam os estabelecimentos TIC mais exigentes nas habilitações dos seus empregados (respectivamente 46% e 42% do total dos seus trabalhadores possuem ensino superior), ainda acima da média nacional destacam-se oito outros concelhos (seis no norte do país: Matosinhos, Maia, Porto, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira e Aveiro e dois nas proximidades de Lisboa: Torres Vedras e Almada).



As exigências demonstradas na contratação de empregados com altos níveis de habilitações parecem ser depois acompanhadas por iniciativas de progressiva qualificação já no seio das empresas onde são inseridos. Na gestão dos recursos humanos esta é uma preocupação evidente sobretudo no ramo das telecomunicações (Tabela 7).

Entre os quadros dominam os de qualificação superior e embora entre os profissionais não dominem aqueles que se encontram altamente qualificados, a análise evolutiva entre 1995 e 2000 permite referir que estes são os únicos que têm aumentado o seu número. Deve referir-se também o forte aumento dos praticantes e aprendizes em virtude da contratação de empregados muito jovens em início de carreira e por isso ainda sem qualificação especializada.



No sector TIC a remuneração média mensal base era em 2000 de 1112 Euros para cada trabalhador por conta de outrém (um valor em cerca de 500 Euros superior à média nacional das remunerações mensais base). Oeiras e Lisboa são mais uma vez os concelhos que se destacam, neste caso no que diz respeito ao pagamento de remunerações mais vantajosas aos seus empregados TIC (em termos médios uma remuneração base de 1500 Euros e 1440 Euros, respectivamente).

As actividades TIC melhor remuneradas são os serviços de apoio às empresas, contudo devido ao pagamento de um valor mais elevado de extras (prémios e subsídios) por parte dos estabelecimentos de telecomunicações, são os trabalhadores destas actividades os que auferem de um rendimento final mais elevado.




Conclusão

A importância do sector TIC na economia portuguesa tem crescido de uma forma muito expressiva ao longo dos últimos anos. Contudo este sector tem sido sobretudo uma fonte de criação de novas empresas e estabelecimentos, contribuindo de uma forma não tão relevante para a criação de novos empregos. Inclusivamente verificaram-se situações de desemprego nas actividades TIC (sobretudo nas actividades industriais), em alguns casos originando situações dramáticas pela sua excessiva concentração territorial.

As tendências de evolução do emprego TIC em Portugal indicam que não há uma única tendência de evolução, mas uma diversidade de situações que variam em função do tipo de actividades integradas neste sector (indústria, comércio por grosso, telecomunicações e serviços de apoio às empresas). Todavia, a análise estatística efectuada à globalidade do sector permite traçar o perfil tipo do trabalhador TIC em Portugal. É uma força de trabalho que apresenta uma clara tendência de reforço da já elevada taxa de participação masculina, com uma estrutura etária muito jovem e com tendência para um progressivo rejuvenescimento, e que se destaca pela contratação preferencial de trabalhadores com elevados níveis de habilitações. Dada a juventude desta força de trabalho, concluiu-se também que as estratégias de gestão dos recursos humanos têm privilegiado acções de qualificação e especialização profissional dos empregados deste sector. Em suma são estas as características base da mão de obra que faz do sector TIC um dos mais produtivos da economia portuguesa, capaz de conceder aos seus trabalhadores uma remuneração média mensal muito superior à média nacional.

A análise geográfica efectuada permite referir que se trata de um sector de actividade de cariz eminentemente urbano mas com tendência a transformar-se progressivamente num sector de forte concentração metropolitana (em torno de Lisboa e do Porto). Este padrão de repartição espacial e sobretudo no que se refere aos serviços TIC de apoio às empresas, leva a supor que fora das grandes formações urbano-metropolitanas as actividades económicas têm sido mais lentas no processo de aprendizagem sobre o modo de readaptação das sua organizações face aos desafios da utilização das tecnologias da informação, não existindo talvez por falta de procura uma distribuição mais equilibrada das actividades TIC no território português. No entanto, esta é uma questão que fica em aberto e que carece de comprovação por parte de futuras investigações.


Fontes e bibliografia

  • DETEFP - Departamento de Estatística do Trabalho Emprego e Formação Profissional (2003). Consulta da Base de Dados SISED (Sistema de Informação sobre Salários, Emprego e Duração do Trabalho) com informação dos Quadros de Pessoal de 1995 e 2000
  • EUROPEAN COMMISSION (2002). Information society statistics. Data 1996-2001, Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities
  • KOVÁCS, I. (2002). As metamorfoses do emprego. Ilusões e problemas da sociedade da informação, Oeiras: Celta Editora
  • MONIZ, A. e KOVÁCS. I. (coords.) (2001). Sociedade da informação e emprego. Lisboa: Direccção-Geral do Emprego e Formação Profissional
  • OECD (2002). Measuring the Information Economy, Paris: OECD Publications
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